HOUVE OU NÃO HOUVE DITADURA NO BRASIL?

HOUVE OU NÃO HOUVE DITADURA NO BRASIL?
INTRODUÇÃO
O assunto Ditadura ainda é um tema que causa comoção em muitos e levanta assuntos sobre ética, política, ideologia, e outros. Tendo ocorrido a pouco mais de meio século é comum que haja uma curiosidade natural sobre a questão. Também é corrente haver discrepâncias quanto aos pormenores. Mas é de se surpreender a negação, ou seja, negar que houve uma ditadura militar no Brasil em 1964 e que essa mesma ditadura tenha cancelado a democracia no país, cassado brasileiros, torturado compatriotas, matado concidadãos, etc.
É de causar espanto que, em pleno século 21, na era da informação, com tal acessibilidade ao conhecimento, ainda possa haver quem acredite não ter havido uma ditadura no Brasil.
Não só houve como é de fácil comprovação. Não se precisa ter muita ciência nem pesquisar muito para se chegar a essa conclusão. Primeiro definiremos o termo ditadura, para que não reste dúvidas quanto ao conteúdo abordado. Posteriormente verificaremos brevemente algumas ditaduras na América-latina. E depois analisaremos sobre o que houve no Brasil em 64 com o testemunho da empresa nacional, testemunho de homens e mulheres que lutaram contra o regime e por último, indicação de vasta literatura sobre o assunto.
I - DITADURA- DEFINIÇÕES
Ditadura é um substantivo feminino que deriva da palavra latina difere, que significa "cortar".
O Feedback, dicionário online da Google, define Ditadura da seguinte forma: "Governo autoritário exercido por uma pessoa ou por um grupo de pessoas, com supremacia do poder executivo, em que se suprimem ou restringem os diferentes individuais".
Segundo Maurice Duvenger, cientista político e sociólogo francês, a ditadura pode ser definida como "um regime autoritário, mantido pela violência, de caráter excepcional e ilegítimo".
Ditaduras são regimes de governo caracterizados por um grande controle do Estado sob todas as áreas da sociedade. A ditadura não admite oposição.
A Wikipédia define o termo da seguinte forma: "é um dos regimes não democráticos ou antidemocráticos, ou seja, governo regido por uma pessoa ou entidade política onde não há participação popular, ou em que a participação ocorre de maneira muito restrita. Numa ditadura, o poder está em apenas uma instância, ao contrário do que acontece numa democracia, onde o poder é diluído em várias instâncias (legislativo, executivo e judiciário). É, sobretudo, uma forma de autoritarismo, estabelecida normalmente via golpe de estado.
Segundo Aristóteles e Platão, a marca da tirania é a ilegalidade, ou seja, a violação da lei. Uma ditadura, por mais nobre que pareça, sempre descambará para a ilegalidade.
As ditaduras foram muito comuns no continente latino americano. Temos alguns exemplos:
1. Argentina (1976-1983)

2. Bolívia (1972-1982)

3. Chile (1973-1990)

4. Equador (1972-1979)

5. Paraguai (1954- 1989)

6. Peru (1968-1979)

7. Uruguai (1973-1985)

8. Venezuela (1953-1958/2017)

9. Colômbia (1953-1957)

10. Brasil (1964-1985)
II - DITADURAS NA AMÉRICA LATINA
Todos os movimentos ditatoriais na América latina nasceram logo após a Segunda Guerra Mundial e como resultado ideológico do que aconteceu entre os dois Eixos opositores. E assevera a jornalista Cláudia de Castro Lima: "Para evitar revoluções comunistas, os Estados Unidos apoiaram militares contra a democracia em mais da metade das nações...".
Em 1954 foi na Guatemala e Paraguai, a primeira intervenção direta dos Estados Unidos. Jacobo Arbenz é derrubado do poder em 11 de julho, e assume o poder o chefe do Estado-Maior do Paraguai, General Alfredo Stroessner.
Em 1962 é a vez da Argentina. Fevereiro foi o mês em que os militares argentinos depuseram Arturo Frondizi, presidente desde 1958. A Argentina já passava por uma longa sucessão de golpes que derrubara outros lideres de governo.
O ano de 1964 foi o ano do Brasil amargar a experiência de um golpe militar. Foi na madrugada de 31 de março. Em 15 de Abril o General Humberto de Alencar Castelo Branco assume a presidência. Pormenorizaremos mais adiante o caso Brasil.
Logo após foi a vez do Peru, em 1968. Uma junta militar liderada pelo General Juan Velasco Alvarado instala-se no poder ao depor o líder Belaunde Terry.
1973 foram Uruguai e Chile. No Uruguai o poder estava nas mãos da Frente Ampla, movimento popular Uruguaio. Em setembro, no Chile, uma ação militar cerca o presidente comunista Salvador Allende, que se suicida. Assume o General Augusto Pino Chet e dá início a uma das ditaduras mais sangrentas na América Latina.
Já em 1982 foi a vez da Bolívia, país campeão em golpes.
III- DITADURA NO BRASIL
Tudo começa com a criação de uma figura imprescindível para qualquer golpe: a figura do inimigo público interno. O que nos países Latinos foram chamados de "inimigo vermelho", ou o Comunismo.
A realidade do Brasil pré-64 era: (1) excesso de intervenção do Mercado internacional; (2) demasiada pobreza e deficit social, sistema econômico excludente e voltado a interesses externos; e (3) péssimas condições de sobrevivência e trabalho.
A década de foi 60 marcado por crises políticas que se arrastavam desde a renúncia de Janio Quadros em 1961. João Goulart, seu Vice, assume a presidência (1961-1964), realizando um governo marcado pelas organizações sociais, gerando insatisfação e preocupação nas classes conservadoras (empresários, banqueiros, igreja católica, militares e classe média). Todos temiam que o Brasil descambasse para o comunismo, tendo em vista as propostas populistas de João Goulart.
Em 13 de março de 1964 João Goulart realiza um grande comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, onde defende mudanças radicais. Em 19 de março os conservadores organizam uma manifestação contra as ideias populistas de João Goulart. E em 31 de Março de 1964 tropas militares de Minas Gerais e São Paulo saem às ruas. João Goulart refugia-se no Uruguai. E com a vacancia da presidência, os militares assumem o poder. Em 9 de abril de 1964 é declarado o Ato Institucional 1 (AI 1), que promove a cassação dos mandatos políticos de opositores ao regime militar. A partir daí, estava instalada a ditadura militar no Brasil.
IV- TESTEMUNHOS  INDIVIDUAIS
Algumas figuras se tornaram emblemáticas no Brasil na luta contra a ditadura de 64. Nomes que ainda hoje exercem certa influência no âmbito político e outros no âmbito intelectual. Pessoas que militaram no segmento intelectual, político e outros que enfrentaram o regime de exceção pegando em armas.
Dos artistas temos nomes como Geraldo Vandré. Militante, estudante, participava ativamente do Centro Popular de Cultura da União dos Estudantes (UNE). Foi exilado por se apresentar no Festival Internacional da Canção em 68. No dito festival cantou Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores (Caminhando e Cantando), que se tornou um hino da resistência do movimento civil que fazia oposição à ditadura.
Caetano Veloso, em 68, canta É Proibido Proibir e Alegria, Alegria (67) - que se tornou outro hino na luta contra a ditadura. Em 69 foi preso e exilado em Londres junto com Gilberto Gil. Chico Buarque de Holanda, socialista declarado, exilou-se na Itália em 69, onde compôs o clássico Cálice e Apesar de Você.
Nomes que ainda hoje fazem política e que militaram contra a ditadura temos José Serra, que foi da Ação Popular, um racha da Juventude Universitária Católica (JUC), que flertava com o marxismo e acabou sendo incorporado pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil).
Dilma Roussef fez a opção pela luta armada contra a ditadura e cumpriu alguns anos de cadeia, onde foi torturada. Fernando Henrique Cardoso foi outro nome importante dos que lutaram contra o regime militar. Lula passou 31 dias na prisão em 1980 por liderar uma greve dos trabalhadores no ABC paulista. Foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional pela ditadura.
Nomes que merecem memória como Mario Covas, então deputado, que foi destituído do cargo de deputado federal e teve seus direitos políticos suspensos por dez anos. E Ulisses Guimarães, que, quatro anos após o Golpe, filia-se ao MDB e inicia sua luta pela redemocratização do Brasil.
O exército reconheceu 434 mortos e desaparecidos enquanto o regime estava no poder. Entre eles estava Alexandre Vannucchi Leme, estudante de geologia da USP (Universidade de São Paulo), morto em 73, aos 22 anos, nas dependências do DOI- Codi, em São Paulo. Vladimir Herzog, jornalista, apresentou-se na sede do DOI- Codi em 24 de outubro de 1975 para prestar esclarecimentos sobre o seu envolvimento com o PCB (Partido Comunista Brasileiro), e foi morto no dia seguinte aos 38 anos (não resistiu às torturas). O ex-deputado federal Rubens Paiva, que foi preso em casa na manhã do dia 20 de janeiro de 71, foi torturado e morreu no dia seguinte.
Graças a pessoas como as já citadas e outras, que formam a plêiade de homens e mulheres que lutaram pela volta da democracia no Brasil, foi graças a esses e muitos outros que hoje temos soberania popular. Hoje a imprensa tem plena liberdade, os candidatos podem fazer comícios, ocupar as ruas, falar o que pensam nos palanques, nos rádios e TV. Mas isto tudo custou caro.
V- TESTEMUNHOS DA MIDIA NACIONAL
O jornal À Noite, do Rio de Janeiro, no dia 1 de abril de 1964 noticiou: "Povo e governo superam a sublevação". Contrário ao golpe, jornal aposta no triunfo de João Goulart.
Diário da Noite (São Paulo) de 2 de abril de 1964 anuncia: Renieri Mazzilli é o presidente". Jornal trata a Nova Ordem como "legalidade".
Diário de Notícias (Rio de Janeiro) de 2 de abril divulga: "Marinha caça Goulart". O editorial proclama: "É o fim do comunismo no Brasil".
Folha de São Paulo de 2 de abril afirma: "Congresso declara presidência vaga". Este ato foi feito com o presidente João Goulart ainda no Brasil.
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) de 1 de abril: "São Paulo adere a Minas e anuncia marcha ao Rio contra Goulart".
Estado de São Paulo de 2 de abril: "Vitorioso movimento democrático". Chamam o sucesso de um golpe militar de democracia.
A grande maioria dos jornais no Brasil noticiaram a realidade de um golpe militar ocorrido no ano de 1964 onde a democracia foi eclipsada para dar lugar a um estado de exceção.
VI- LITERATURA SOBRE O ASSUNTO
Alguns livros editados no Brasil dão conta dos acontecidos sob o regime militar de 64. Alguns narram histórias sob o ponto de vista histórico, outros segundo uma ótica jornalística e outros de acordo com uma perspectiva política. Alguns defendem teorias seguindo de seus embasamentos. Outros narram fatos incontestáveis. Eis uma lista breve:
1. De Renê Armand Dreifuss foi um historiador e cientista político uruguaio formado em ciências políticas e história pela Universidade de Haifa, Israel, em 1974, e obteve seu mestrado em política na Universidade de Leeds, Grã-Bretanha. Sobre o assunto ele publicou 1964: A Conquista do Estado. Descrever os momentos que antecedem ao golpe quando foi gestado por grupos da direita e da elite brasileira.
2. Thomas Skidmore foi um historiador norte-americano especializado em história e temas da América-latina e temas brasileiros. Escreveu Brasil: de Getúlio a Castelo. Foi o primeiro a tratar o golpe com o foco na ciência política com as razões que levaram ao putsch.
3. Elio Gaspari foi um jornalista e escritor ítalo-brasileiro que escreveu três preciosos livros sobre o momento entre 64 e 85. São A Ditadura Escancarada; A Ditadura Derrotada; A Ditadura Encurralada.
4. 1964: O Golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil. Escrito a duas mãos pelo professor de historia da Universidade Federal Fluminense Jorge Luiz Ferreira, e pela sua colega Ângela Maria de Castro Gomes, também professora de história, ciência política e sociologia na Universidade Federal FLuminense. O livro enquadra 1964 no processo de modernização capitalista dependente, modelo imposto pelos Estados Unidos da América aos países de terceiro mundo.
5. O historiador e cientista social Jacob Gorender escreveu Combate nas Trevas. Temos um relato escrito por um militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e faz uma crítica construtiva à esquerda no período em estudo. Descreve a esquerda como "fraca" no momento.
6. Carlos Heitor Cony dispensa apresentações. Jornalista e escritor brasileiro. Foi colunista e editorialista da Folha de São Paulo e é membro da Academia Brasileira de Letras. Escreveu O Ato e o Fato. É um relato jornalístico narrado em crônicas descrevendo a população no golpe, a psicologia dos militares, etc.
7. Temos ainda Estado e Oposição no Brasil de 1964-1985 da cientista política carioca e co-fundadora da CUT (Central Única dos Trabalhadores) Maria Helena Moreira Alves. Livro que explica a conexão fundamental entre o golpe e o regime militar e a Doutrina de Segurança Nacional nos marcos do capitalismo dependente brasileiro.
8. A Revolução Faltou ao Encontro de Daniel Aarão Alves, historiador brasileiro, professor emérito e titular de história contemporânea na Universidade Federal FLuminense. Defende a tese de que o golpe militar de 64 seria um contra-golpe. Seria uma reação a uma tentativa de golpe por parte dos comunistas.
9. Temos ainda A Revolução Impossível do pesquisador médico, historiador e escritor hispano-brasileiro Luís Mir, que mostra a revolução dentro do contexto do movimento comunista internacional anterior a 64 e que o Brasil seria apenas um apêndice.
10. E por último Nos Porões da Ditadura de Raymundo Negrão Torres, escritor, colunista do jornal Gazeta do Povo, militar, general da reserva. Eis a história contada por um militar.
CONCLUSÃO
Por tudo visto, analisado e discutido não resta sombra de dúvidas quanto (1) a maré de movimentos de ideologias socialistas/comunistas/populistas; (2) a luta do Eixo capitalista para neutralizar o avanço do perigo vermelho; (3) a enxurrada de golpes na América-latina com a intenção de barrar o avanço comunismo; (4) o Brasil foi palco de um intervenção militar que depôs o presidente, fechou o congresso, cassou direitos políticos, censurou a imprensa, torturou opositores, infringiu direitos humanos essenciais, anulou a democracia, etc.
Em vista de todo o material já publicado, livros impressos, artigos escritos, documentários produzidos, debates promovidos, a famosa Comissão da Verdade e muitas outras formas de se entender o que houve em 1964, é inadmissível que alguém ainda acredite que não houve uma ditadura no Brasil. Que tudo não passou de uma simples intervenção militar. Falta estudo a quem assim pensa e falta argumento para se defender tal tese.

Francimar Pires
Fontes


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

HUMBERTO GESSENGER E SUAS PREFERÊNCIAS POLÍTICAS

DAVI: GRANDE REI, PÉSSIMO PAI

O PENSAR