O CRISTÃO ADVENTISTA E A LITERATURA SECULAR
O CRISTÃO ADVENTISTA E A LITERATURA SECULAR
INTRODUÇÃO
A humanidade criou, durante sua existência, vários mitos. E alguns destes até têm sua utilidade, outros trazem prejuízos, neutralizações. Arthur Combs, o humanista, diz que "muitos mitos são crenças falsas ou errôneos geralmente tidos como verdade". Isso indica que um mito pode agir como verdade sem ser. Isso aprisiona. Abraham Joshua Heschel, rabino austríaco naturalizado americano do século XX disse: "O grande obstáculo para o conhecimento é o nosso conformismo...", ou seja, nos apegamos ao mito sem o cuidado de verificar sua veracidade.
O MITO DA DICOTOMIA
Define-se Dicotomia como "divisão de um conceito cujas partes, geralmente, são opostas". Ou, simplesmente, divisão de um todo em duas partes. O conceito dicotômico popularizou-se no oriente antigo graças as ideias de Platão e o reforço de Plotino (neo-platônico). Essa noção de divisão da realidade entra dentro do cristianismo pela pena de Santo Agostinho, escritor do IV século.
Hoje, é comum, no discurso cristão, o uso dicotômico de realidades opostas: AgoraxPor Vir; NaturalxSobrenatural; RazãoxRevelação; CiênciaxReligião; LeixGraça; CorpoxAlma; SecularxSagrado.
O Dr George R. Knight argumenta:
"Da perspecitiva bíblica, tais expressões dicotômicas são a linguagem de um mito difundido que tem tirado o sentimento do viver diário cristão ao prover razões para as pessoas separarem suas atitudes e comportamentos na igreja da maneira de pensarem e agirem pelo resto da semana no mundo real".
Todas as dicotomias são falsas do ponto de vista cristão. Exemplos:
1. Aqui versos Por Vir:
São dois mundos que descrevem uma existência progressiva, em vez de duas existências diferentes. Jesus explicitou essa realidade quando disse: "Quem crê em mim tem a vida eterna" (João 6:47). Jesus disse "tem" e não "terá". Ellen G. White corrobora com a tese quando exclama: "A vida na terra é o princípio da vida no céu" Ed. 307. Então, não vivemos no Aqui para depois vivermos no Por Vir; vivemos o Por Vir no Aqui; vivemos Aqui, o Por Vir.
2. Natural versos Sobrenatural: Frequentemente usamos o termo Natural para discutir aqueles aspectos do Universo que podemos explicar em termos de leis físicas e químicas; e o Sobrenatural para nos referir ao campo que existe acima e além do físico e do químico. Tal dicotomia é produto do homem. A Bíblia mostra uma continuidade entre o Sobrenatural e o Natural. As duas realidades são, na verdade, faces de uma mesma moeda, onde Deus opera tanto no campo do Natural como no Sobrenatural, sendo as duas uma única realidade para Deus e para a história da Salvação. Ellen G. White desmascara esse mito observando que a lei Natural está sob "a intervenção contínua e direta de Deus" (8T, 259). Ou seja, continuamente e diretamente, o Natural está contido no Sobrenatural, e vice-versa, formando uma única realidade.
3. Secular versos Sagrado:
O Secular implica no que é relacionado a este mundo em oposição à Igreja e aos aspectos religiosos. Já o Sagrado, por outro lado, é aquilo que é religioso. Tal dicotomia se desmorona quando lemos: "Ao SENHOR pertence a terra e tudo o que ela contém, o mundo e o que neles habitam" (Salmo 24:1). Tudo tem uma relação fundamental com Deus. O Cristianismo não é uma religião de compartimentos. A maneira pela qual um cristão faz seu trabalho, lê, ouve música, etc, é tão importante para Deus quanto sua adoração. Tudo o que é "secular" é sagrado. A vida comum e suas ações comuns estão mergulhadas no campo do Sagrado.
A LITERATURA "SECULAR"
Muitos Adventistas definem a Ficção literária como danosa, prejudicial, não condizendo com padrões cristãos. E usam a vasta literatura do Espírito de Profecia para justificar tal posição. Uma leitura superficial de Ellen G. White pode justificar tal ponto de vista. Por exemplo: "Mesmo a Ficção, que não contém nenhuma sugestão de impureza, e que visa ensinar excelentes princípios, é nociva" (CBV, 446).
A questão se complica quando se começa a indagar sobre o que Ellen G. White quis dizer com Ficção. No Dicionário temos o termo Ficção definido como "Elementos imaginários que nunca aconteceram na história espaço-temporal".
Complica-se mais ainda quando descobrimos que Ellen G. White usou e recomendou a Ficção. Ela falou de seu apreço pela obra O Peregrino, de John Bunyan (G.C., 256), e até incluiu alguns fragmentos de O Paraíso Perdido, de Johm Mílton para compor Patriarcas e Profetas.
Ellen G. White usou a palavra Ficção com o mesmo sentido que a maioria dos seus leitores lhe confere hoje. Para Ellen G. White, Ficção é:
1. Viciosa
2. Sentimental, sensacionalista, erótica, profana e/ou barata
3. Leva o leitor a remeter-se a um mundo de sonhos e ser menos capaz de lhe dar com os problemas da vida diária, procurando a fuga da realidade
4. Desqualifica a mente para o estudo sério e para a devoção
5. Consome o tempo e é sem valor
Segundo T. Gibbos, em seu estudo intitulado Literatura nas Escolas Adventistas, de 1971, essas 5 qualidades da Ficção que produz dano estão intimamente relacionadas com aquilo que ela tinha em mente sobre o termo Ficção.
Resumindo, Ellen G. White considerou a Ficção em termos qualitativos, ou seja, em termos de qualidade entre obra, autor e assunto, e não como algo irreal no sentido que nunca aconteceu na história espaço-temporal.
William C. White assistente e filho mais próximo de Ellen G. White, observa: "Minha mãe foi enfática ao condenar a Ficção, e quando pressionada a definir a que se referia como Ficção, ela sempre indicou aquelas obras que levavam a mente para longe de Deus" Rewiew and Harold, 1921.
Um documento oficial da Igreja sobre o assunto intitulado Princípios Fundamentais na Ficção, publicada na Revista Ministério de Agosto de 1941 diz: "Toda palavra escrita ou falada pelo homem, não importa qual a forma literária o tenha impressionado para se expressar, se é verdadeira, então é útil e benéfica".
A questão principal é mais o Como Lemos do que o Que Lemos.
O essencial na literatura não é a transmissão do conhecimento, somente, mas o desenvolvimento da habilidade de pensar criticamente e interpretar as visões literárias dentro da cosmovisão bíblica. É preciso adquirir um senso critico, e crítico no sentido de análise e não de busca de defeitos ou falhas.
ELLEN G. WHITE (CONSELHOS)
"A busca de conhecimento na Arte, na Literatura, e no Comércio não deve ser desencorajada..." (CPPE, 19).
"A verdadeira educação não desconhece o valor dos conhecimentos científicos ou aquisições literárias..." (Ed., 225).
"Ao mesmo tempo que ao princípio religioso é dado o supremo lugar, todo passo progressivo na aquisição do saber ou na cultura do intelecto é um passo no sentido da assimilação do divino pelo humano, do infinito pelo finito" (CPPE, 52).
O QUE DIZ A BÍBLIA
Moisés teve treinamento completo nas escolas dos egípcios. E em Atos 7:22 lemos: "Toda ciência dos egípcios". E Ellen G. White completa: "A educação que Moisés recebera no Egito foi-lhe de grande auxílio sob muitos pontos de vista" (CBV, 474).
Daniel é outro exemplo. Dele e de seus amigos, lemos que eles eram "dez vezes mais doutos do que todos..." (Daniel 1:19-20). Um conhecimento cultural acima de todos os outros.
O EXEMPLO DE PAULO
Em II Timóteo 4:13 Paulo pede que lhe tragam uma capa e seus
livros. Isso mostra o exemplo do grande apóstolo dos gentios na obtenção de conhecimento secular.
Em uma análise das fontes paulinas, é possível verificar um pouco da cultura de Paulo. O uso de alguns termos nos levam a deduzir onde Paulo repousava seus olhos quando não estava lendo as Escrituras.
É quase inquestionável que Paulo leu as obras de Platão, pelo muito uso de expressões comuns dentro da filosófica de Platão. Exemplos: o uso frequente da palavra σωμα (soma), com o sentido de realidade; υποσειγμα (upodeiyma), no sentido de figura; σκιά (skia), no sentido de sombra, não realidade.
Vemos ainda, na clássica tricotomia paulina de corpo-alma-espírito em I Tessalonicensses 5:23, uma clara alusão à leitura de Aristóteles e sua divisão tripartida das realidades humanas. Esclarecendo: é lógico que Paulo usa esses termos sob o ponto de vista judaico das realidades. Tendo o corpo como a parte material, vindo do pó da terra; o espírito como o νοούσ, a fonte do intelecto e do raciocínio; e a alma como a tradução da palavra hebraica Ruach, no sentido de fôlego de vida, ou aquilo que em nós capta o Sagrado.
Vemos ainda em Atos 17 Paulo debatendo com Epicureus e Estoicos, demosntrando o alto grau de conhecimento que o apostolo tinha da filosofia grega. No verso 28 Paulo faz uma citação do poeta grego Epiménides de Creta, do século IV aC. Ele diz: "Nele vivemos, e nele nos movemos, e existimos". Paulo cita ainda uma evocação a Zeus do poeta Fenómenos quando diz: "dele [Zeus] somos geração [gerado]".
Em I Coríntios 15:32, Paulo cita Isaías 22:13. Uma citação direta do texto do profeta. Mas alguns comentaristas apoiam a ideia, sustentados pelo contexto imediato (dia após dia, morro), de que Paulo está fazendo menção à filosofia dos Epicureus.
CONCLUSÃO
Paulo era um ávido leitor. Ellen G. White era uma mulher vitoriana apegada aos hábitos da leitura. Martinho Lutero era dominador dos clássicos da tragédia grega. John Wesley tinha em sua estante os clássicos da literatura. C. S. Lewis sempre se declarou apaixonado pela literauta.
O Cristão deve estar familiarizado com a literatura daqueles que espera alcançar. Não precisa necessariamente ser mestre.
À luz da estrutura cristã de interpretação da realidade, todas as formas de arte adquirem um novo significado.
Francimar Pires
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