SERVO OU ESCRAVO? (1°parte)
SERVO OU ESCRAVO? (1°parte)
Um dia um seminarista primeiro-anista, de um desses seminários espalhados por todos os lugares, me argumentou em favor a predestinação: "Quando Lutero trazudiu a Biblia para o alemão a Alemanha estava num período de 'escravação' e pra suavizar usou a palavra 'servo' ao invés de 'escravo'. Mas toda vez que você encontrar a palavra 'servo' na Biblia, na verdade é a palavra 'escravo'". Depois ele refez o argumento: "Me enganei. Na realidade não foi Lutero nem foi do alemão. Foi o padre João Ferreira de Almeida que, quando tradiziu a Biblia dos originais para o holandês, por ter 'escravação' usou a palavra 'servo' no lugar de 'escravo'. Mas na realidade, toda vez que você encontrar a palavra 'servo' é a palavra 'escravo'. E escravo não tem vontade própria".
Em oito anos de estudo formal em teologia nunca tinha ouvido argumento tão ridículo, tão desprovido de sentido e conhecimento. Tal argumento não me surpreende vindo de um primeiro-anista que frequenta seminários tão fracos. Mas, deixando as observações pessoais de lado, vamos à Bíblia analisar o que ela diz a respeito.
Antes analisemos a primeira parte do argumento: as traduções da Biblia em língua portuguesa.
Coube a João Ferreira de Almeida a grandiosa tarefa de traduzir pela primeira vez para o português o Antigo e o Novo Testamento. Nascido em 1628, quase um século depois da Reforma, aos arredores de Lisboa, Portugal. Converteu-se do catolicismo à fé protestante e tornou-se um divulgador da Biblia. Iniciou sua tradução aos dezassete anos mas perdeu os manuscritos, tendo que recomeçar em 1648. Usou o Textus Receptus, da família bizantina. Nesse período serviu-se de várias traduções: holandesa, francesa, italiana, espanhola e latina. Em 1676 concluiu a tradução do Novo Testamento. Em 1681 publica-se a primeira tradução do Novo Testamento em língua portuguesa. Milhares de erros foram encontrados nessa tradução. Ao iniciar a tradução do Antigo Testamento, morre em 1691 no final do livro de Ezequiel. Concluiu-se em 1753, data da impressão da primeira Bíblia completa em língua portuguesa. Apesar de seus erros iniciais, ao longo dos anos estudiosos evangélicos têm depurado a obra de Almeida. Já na Apresentação da Edição Revista e Atualizada da tradução de João Ferreira de Almeida descobrimos que a Sociedade Biblica do Brasil (SBB), fundada em 1948, inicia, em 1946, com trinta especialistas em línguas bíblicas, e por treze anos, trabalhou arduamente para Revisar e Atulizar o texto de Almeida (Informações retiradas dos livros Introdução Bíblica: Como a Biblia Chegou Até Nós, do Dr. Norman Geisler, PhD; e Crítica Textual do Novo Testamento, do Dr. Wilson Paroschi, PhD).
A segunda parte do argumento: a diferença entre servo e escravo.
Qualquer dicionário de língua portuguesa vai definir o verbete servo mais ou menos assim: quem não é livre ou foi privado de sua liberdade; e assim o verbete escravo: indivíduo que está ou foi privado de sua liberdade, sendo submetido à vontade de outrem, definido como propriedade. Qualquer dicionário de semântica vai classificar os dois vocábulos como sinonimos, palavras de mesmo valor semântico. Ou seja, servo e escravo têm o mesmo significado.
Finalmente, a terceira parte do argumento: escravo não tem vontade própria.
A primeira vez que a palavra servo (ou escravo) aparece nas cartas de Paulo e Romanos 1:1 onde ele se apresenta como "servo de Jesus Cristo". A Revista e Atualizada (RA), a Revista e Corrigida (RC), a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH), a Nova Versão Internacional (NVI), a Biblia de Jerusalém (BJ), a Bíblia Viva (BV), todas elas usam a palavra servo. A exceção digna de nota é a Tradução do Novo Mundo da Sociedade Torre de Vigília, tradução essa bastante questionável.
Paulo usa o vocábulo grego DOULOS, substantivo e advjetivo comum de dois gênero que significa, literalmente escravo, servo, servil. Em Romanos 6:19 Paulo diz que antes éramos escravos (DOULOS) da impureza e da maldade, mas agora somos servos (DOULOS) da justiça para a santificação. Em Gálatas 4:1,7 diz que o herdeiro, enquanto menos é igual a um escravo (DOULOS) e não somos escravos (DOULOS).
Outra palavra empregada por Paulo é o verbo DOULÉUO. Na voz ativa significa escravizar. Na voz passiva significa ser escravo, servo, servil, serviçal. Em Romanos 7:6 Paulo diz que estamos mortos para aquilo que estávamos sujeitos (a voz passiva de DOULÉUO). Em Romanos 14:18 Paulo fala daquele que serve (voz ativa de DOULÉUO) a Cristo.
Em Romanos 6:17 diz que outrora éramos escravos do pecado. Ora, se escravo não tivesse vontade continuaríamos escravos do pecado. Podemos ser escravos de Cristo e da justiça mas também podemos ser escravos do pecado. E ser servo de um ou de outro inclui a possiblidade de transitar, escolher uma de duas realidades.
Ser escravo do pecado significa escolher o pecado como senhor; e ser escravo de Cristo significa escolher Cristo como senhor. Quem está sendo senhor de sua vida: o pecado, para a morte; ou Cristo, para a vida? A escolhe sempre será sua.
Francimar Pires
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