O SIGNIFICADO DE “os filhos têm participação comum de carne e sangue” EM HEBREUS 2:14

O SIGNIFICADO DE “os filhos têm participação comum de carne e sangue” EM HEBREUS 2:14

INTRODUÇÃO

O texto sagrado sempre será alvo de inúmeras interpretações e diversas formas de se entender o texto ( ou algum texto). O texto é dinâmico por excelência, cabendo variedades de interpretações. O maior problema quanto a dinamicidade do texto é a má interpretação do texto. Ou seja, dar ao texto uma interpretação impossível ao texto, tanto em seu contexto imediato, amplo ou maior. Isto é, ao interpretar qualquer texto em si é imperativo analisar o contexto próximo, os versos ao redor do texto; o contexto maioria, o capítulo ou o livro em questão; e o contexto amplo, a Bíblia toda. Analisemos Hebreus 2:14.

O CONTEXTO

O texto, em seu contexto, fala da pessoa de Jesus Cristo como mediador do Sumo Sacerdócio. Diz o verso 5: “não foi a anjos que sujeitou o mundo”. E continua falando deste mesmo Jesus na primeira metade do verso 8: “todas as coisas sujeitaste debaixo dos seus pés.”, ou seja, dos pés de Cristo. Em contrapartida à figura dos anjos, não sendo a eles que se sujeitou o mundo (verso 5), entra a figura do humano em contrapartida ao elemento angelical. O verso 7 diz que o ser humano foi feito “menor que os anjos”, mas corado de glória e de honra. No verso 9, a figura de Jesus entra, de fato, e explicitamente, em cena. O verso diz: tendo sido feito menor que os anjos, Jesus...”. É lógico que esse texto não agride a dignidade do Cristo divino, pois continua e explica a causa desta “decadência”. O verso continua: por causa do sofrimento da morte. Eis a lógica do argumento Paulino: o que torna o Cristo menor (o sofrimento de morte) também o torna maior ( coroa de glória e de honra), onde esta mesma morte se torna morte mediadora da graça divina.

Paulo continua no verso 10: “porque convinha que aquele, por cuja causa e por quem todas as coisas existem...”. É razoável crer que esta figura aqui citada seja maior que os anjos, pois é a causa da existência de todas as coisas, inclusive dos anjos. Esta mesma figura, causa de todas as coisas, conduz muitos filhos à glória, e usa o mesmo instrumento que O glorifica: o sofrimento. E é por meio do sofrimento que Ele se torna “o Autor da salvação deles”, ou seja, dos “filhos”.

E continua o verso 11: “tanto o que santifica”, ou seja, o Cristo sofrido e glorificado, “como os que são santificados”, isto é, os “filhos”, “todos vêm de um só”. E finaliza chamando os “filhos” de “irmãos”. Esta troca de adjetivo tem um propósito: tornar os “filhos” (sendo agora irmãos) participantes da mesma natureza humana que Cristo. Por isso o verso 12 inicia dizendo: “A meus irmãos...”. Já na segunda metade do verso 13, Paulo volta a usar o adjetivo “filhos”, com o mesmo objetivo pelo qual usou “irmãos”: para representar o ser humano como participante da mesma natureza de Cristo (ou representar o Cristo como tendo a mesma natureza do homem).

E finaliza com o verso 14: “visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente, participou, para que, por sua morte, destruisse aquele que tem o poder da morte, a saber, o Diabo,”

ANÁLISE LINGUÍSTICA

“Êpei oun tà paidìa kekoinóneken aimatos kaì sarkós, kaì autòs paraplesìos metèsxen tôn autôn, hìna dìa tou thanatou katarguece tòn tò kràtos érxontai tou thanatou, tout estin tòn diábolon”.

Eis uma péssima transliteração, mas servirá para a ilustração. O primeiro detalhe do texto é a palavra grega koinonêo. O verbo está no perfeito do indicativo: kekoinoneken. O verbo no Perfeito representa uma ação que foi concluída no passado, mas que tem resultados no presente. Normalmente é traduzindo fazendo-se uso de verbos auxiliares. Já o indicativo é o modo das declarações afirmativas.

Levando em consideração o significado de koinonèo, que significa compartilhar com outros ou com alguém, comunicar, distribuir, participar; e levando em consideração o Perfeito do indicativo com o auxílio de verbos auxiliares, temos, como sugestão de tradução:

(1) Têm compartilha;
(2) Têm participação.

A Bíblia de Jerusalém opta pelo verbo auxiliar e deixa o verbo principal em elipses. Eles traduzem assim: os filhos têm em comum carne e sangue. Em consonância com a lógica do texto grego, eles continuam, falando de Jesus: ele participou da mesma condição. Ou seja, assim como a filhos são carne e sangue, ou seja, possuem a natureza humana, Cristo também tomou esta mesma natureza de carne e sangue, a fim de destruir, pela sua morte, as obras do Diabo.

A Nova Tradução na Linguagem de Hoje, interpreta o verso da seguinte forma: os filhos são pessoas de carne e sangue. E por isso o próprio Jesus se tornou igual a eles, tomando parte da natureza humana deles. Os filhos têm a natureza humana (carne e sangue) e o Cristo tomou esta natureza para destruir, mediante a sua morte, o Diabo.

A Bíblia Viva interpreta dinamicamente o texto assim: visto que nós, os filhos de Deus, somos seres humanos – feitos de carne e sangue - , ele se tornou carne e sangue também pelo nascimento em forma humana; pois somente como ser humano ele poderia morrer. E sua morte esmagaria o poder do Diabo.

A Reina-Valera traduz: portanto, já que os filhos têm em comum uma carne e um sangue, ele também participou igualmente do mesmo. Para destruir o poder do Diabo.

Já a Nova Versão Internacional traduz: visto que os filhos são pessoas de carne e sangue, ele também participou dessa condição humana. Para derrotar o Diabo.

O que todas as versões tem em comum é o fato de todas elas interpretarem o texto grego como sendo carne e sangue uma referencia direta à natureza humana que todo ser humano tem e que Cristo a assumiu para que, com a morte desta mesma natureza, derrotasse o Diabo.
 A palavra grega Sarks, traduzida por carne, tem um significado literal de carne ou pele. E por extensão, corpo. Já no sentido figurado denota oposição ao espiritual. Uso no sentido amplo e negativo a tudo o que se opõe aos bons sentidos do espírito.

E Himá, de derivação incerta, significa sangue no sentido literal e no sentido figurado, vinho. Em sentido mais que especial: o sangue expiatório de Cristo. Em parceiria com Sarks, carne e sangue, significa corpo humano e mortal.

Em Mateus 16:17 Jesus diz a Pedro: bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi carne e sangue que to revelaram... Ou seja, não foi nenhum ser humano que te revelou. Em I Coríntios 15:50 Paulo diz: carne e sangue não podem herdar o reino de Deus. Ou seja, a natureza humana e pecadora não podem ir para o reino de Deus. Em Galatas 1:16 Paulo diz: não consultei carne nem sangue. Ou seja, não consultei nenhum ser humano. Em Efesios 6:12 Paulo diz: nossa luta não é contra carne nem sangue. Ou seja, nossa luta não é contra homens.

Jesus usa a expressão também em João 6:54, o próprio Jesus diz: “quem comer a minha carne é beber o meu sangue tem a vida eterna...”. E o verso 55 diz: “ a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida”. E continua no verso 56: “quem comer a minha carne e beber o meu sangue permanece em mim, e eu, nele”. O verso 57 acrescenta: “quem se mim se alimenta por mim viverá”. Nesse contexto, carne e sangue pode significar uma clara referencia a morte de Cristo. E comer da carne e beber do sangue significa participar da gloria redentiva de Jesus Cristo. Portanto, carne e sangue, além de representar a participação de cristo na humanidade e o nosso estado como ser humano, também pode significar a morte de Cristo enquanto morte redentora. Comer da carne e beber do sangue seria participar dos sofrimentos de Cristo.

Temos ainda um terceiro significa paralelo: a Santa Ceia do Senhor. Em I Coríntios 11:24, Paulo  rememora a Santa Ceia e põe nos lábios do Cristo estas palavras: “este é o meu corpo...” e no 25 diz: “este cálice é a nova aliança no meu sangue...”. Nos símbolos sagrados, o pão representa o corpo de Cristo. É bem verdade que a palavra grega traduzida por corpo é Soma e não Sarks. Mas se levarmos em conta que as duas palavras também podem serem usadas de forma sinômica, podemos dizer que o pão também é a carne de Cristo.

CONCLUSÃO

Concluímos assim, que a expressão carne e sangue podem significar: (1) a natureza humana; (2) pessoa física; e (3) a santa ceia. Portanto, nada de estranho a estes três significados deveria ser atribuído ao texto sob pena de violentar o texto e a (ou as) intenção (ões) do autor sagrado. Apesar das três possibilidades que a expressão carne e sangue sugere, é bem provável que a primeira opção seja, de tão, a intenção primária do autor. Ou seja, Paulo queria, com a expressão carne e sangue, representar a natureza humana e representar o Cristo como participante desta mesma natureza. Carne e sangue são os filhos e irmãos e carne e sangue é o Cristo.


Francimar Pires

Fontes

Novum Testamentum Greace – 4• edição

The Greek New Testament – 3• edição

Léxico do NT Grego/Português – SP – Edições Vida Nova -  1984

Dicionário do NT Grego por William Carey Taylor – 7• edição – JUERP

Introdução ao NT Grego – William Carey Taylor – 5• edição – JUERP

Dicionário Vine

Samuele Bacchiocchi. Imortalidade ou Ressurreição. SP: UnasPress, 2007

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