A Parábola do Filho Pródigo Ou a Parábola do Pai Amoroso?

A Parábola do Filho Pródigo Ou a Parábola do Pai Amoroso?

A parábola do Filho Pródigo talvez seja uma das parábolas mais conhecidas. Muito pregada em campanhas evangelísticas. Lida no terceiro domingo Quaresmal. Ela conta um pouco sobre nossa vida. Sempre nos identificamos com esse jovem irresponsável que um dia saiu de casa e descobriu que fora do lar paternal não há existência real.

Muito se escreveu sobre essa parábola. Muitas lições já foram dadas sobre ela. Desde os pais da igreja, os escolásticos, os pais reformadores, pioneiros, evangelistas, avivalistas, pregadores modernos. Sempre há lições a se tirar e sempre há um bom momento para se refletir sobre ela.

Padre Zezinho tem uma música que muito me impressiona e que trás reflexões sobre está parábola. A música é O Viajante, de 1999, do álbum Cânticos Vocacionais.

"Eu tinha tanta fome de ir embora,"
Começa a narrativa em primeira pessoa. É como se o próprio Filho Pródigo narrasse. O Eu Lírico é o próprio Filho Pródigo. E fala de uma fome, a fome de ir embora. A fome de sair. Parece uma fome existencial, parece um impulso natural, um instinto biológico. Sair de casa, voar do ninho, distanciar do lar. Essa vontade, assim como a fome, nasce em um momento específico. Parece nascer quando estamos ainda sem saber o que somos no mundo. Numa crise de identidade. Parece ser lá fora que o lugar onde vamos nos encontrar. E, como toda fome, que surge em tempo determinado, ela cresce, aumenta, progride. E se não saciada corremos o risco de morrer (existencialmente).

"Pra ver a vida como a vida era,"
A saída, o saciar desta fome, é pra isso: "ver da vida como a vida é". O problema é que esperamos, inocentemente, sempre o melhor da vida. Visão otimista parece ter bom lugar pra se viver uma vida com valores positivos. O problema é que a vida é dura, sofrida, cruel, covarde. Sozinhos, ela nos isola, nos separa, nos distancia, e nela nos perdemos.

"Pra aquele teu conselho eu não liguei,"
Conselhos? Não há. Por que? Porque só a fome e o desejo de saciá-la. Estamos tão certos de que vamos conhecer a vida como ela é, e estamos tão certos que a vida é boa, que rejeitamos qualquer cosia que nos impeça de encontrar nosso caminho imaginado. Esse conselho é o conselho do pai. Na parábola, Aquele que sabe quem somos, onde estamos, pra onde vamos, o que seremos. Rejeitamos porque queremos ter a experiência vivida.

"Agora eu vejo o quanto me enganei"
O "agora" precisa existir. Faz parte da jornada humana "o sair" assim como deve fazer parte da vida humana "o voltar". A volta sempre nos traz uma verdade, a verdade do engano. Ver o quanto estamos enganados não é fácil, é doloroso, sofrido, humilhante. Mas necessário. O Filho sai, mas volta na certeza de que estava enganado.

"Peguei a minha herança e fui embora"
A parábola continua. O Eu Lírico afirma que pegou sua herança. Mas na parábola o pai não morre. Só há herança, herdeiro, quando o verdadeiro dono morre. Mas o Filho herda sua parte com o pai ainda vivo. Isso significa que havia um desejo de ter um pai morto para possibilitar a posse da herança. A fome é tão grande de sair que até a morte do pai é desejada. É o ápice da fome: desejar a morte do progenitor.

Em posse da herança, o herdeiro de pai vivo vai embora.

"De todos os manjares eu provei"
Fora do lar paterno, manjares. A Liberdade. A existência. A independência. As cores. O som. Os lugares. Tudo sem limites. Sem segurança. Sem responsabilidade. Sem prestar contas. Sem consciência culpada. Enquanto se está a provar, é doce, desejável, saboroso.

"Não houve nada que eu não fiz lá fora"
Dar a si tudo o que a alma deseja.

"Mas nem por isso eu me realizei"
Eis o primeiro problema. Parece não haver realização pessoal. A busca pelas realizações parece ainda sem resultados. Os manjares, todos, não trazem satisfação. Quanto mais se consome destes manjares, na esperança de realização pessoal-existencial, se descobre que ainda se está vazio.

"Dinheiro, amores, drogas, malandragem
Eu tinha tudo isso e muito mais"
Eis os manjares. Dinheiro na esperança de se ter poder. Amor na esperança de se ter valor. Drogas na esperança de liberdade. Malandragem na esperança de burlar a vida ruim que se possa ter. Se tinha tudo, mas tudo era nada.

"Gastei a minha herança na viagem"
Até que descobrimos que gastamos tudo. A herança era a última existência paternal. A herança era o pai morto mas ainda era um pedaço do pai vivo. E ela, a herança, se foi. O que fica?

"Comprei a vida mas não tenho paz"
Não fica nada. Tentou comprar a vida mas ficou sem ela. Só sem dinheiro, amores, dogra, malandragem. Sem paz. Estar sem paz é estar em guerra. Sem sono, sonho, fantasia.

"Eu vi a vida como a vida era,"
Com nada, vazio, sozinho, sem dinheiro, sem amores, sem drogas, sem malandragem, ele viu a vida exatamente como a vida é: vazia.

"E vi que a vida às vezes dói demais,"
Sem paz, vazia, a vida só segue um rumo: o rumo da dor. A dor de uma vida sem a casa paternal. A dor de buscar a vida e encontrar o engano.

"Viver sem teu amor é uma quimera"
Sozinho, a lembrança do lar paternal. Lembrança do amor incondicional de um pai que sempre desejou estar vivo na vida dos filhos. Amor que sacrifica, que doa, que realiza, que edifica, que constroe. Ele reconhece que viver sem este amor e uma quimera. A quimera é um animal mitológico que tem cabeça de leão, corpo de cabra e calda de serpente.

Quimera é um sonho, uma utopia, não realidade não real. Ficção, fantasia. Sem o amor do pai a vida é irreal.

"Eu volto a ser teu filho pra ter paz."
A única solução é voltar ao pai. Somente no pai há vida plena, real, existencial. Somente no pai há paz.

O refrão diz:

"Manda-me um bilhete de regresso ou venha me buscar não ando bem."
Eis o pedido de um filho desesperado a um pai amoroso.

"Pensei que abandonar-te era progresso
Mas sem o teu amor não sou ninguém."
Eis o engano da vida: pensar que sair da casa do pai é progresso. A lição é clara e real: sem esse amor paterno somos nada, ninguém.

"Aos poucos eu ensaio aquele abraço"
Descobrindo o segredo da vida sem o pai, a perspectiva de voltar nos faz imaginar a volta. Imaginando, ensaiando o dia da volta, o abraço caloroso, abraço de boas vindas, abraço amoroso, abraço real. Abraço "Que um filho arrependido dá no pai". Abraço de arrependimento.

"Na hora em que eu voltar ao teu regaço
Te juro que eu não saio nunca mais"
Depois de voltar, o desejo de não mais sair. A jura de não mais sair é o resultado de uma experiência real e significativa longe do lar amoroso.

Esta parábola, que conta a história de um filho, também conta a história de um pai. Um pai amoroso que esteve sempre a esperar pelo filho que saiu. Essa é a lição: temos um Pai que está sempre a esperar pelos filhos que sairam.

Francimar Pires

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